sábado, 28 de abril de 2012

Compasso

Ela dança sem parar. Seus movimentos delicados são improvisados de maneira perfeita, como se a melodia criasse vida própria e a acompanhasse conscientemente, adaptando-se para manter a sincronia. A luz fraca vinda da janela ao entardecer serve de holofote para seu pequeno palco, sala de estar nas horas vagas, fazendo cintilar as partículas de poeira que flutuam junto à fumaça do cigarro à mesa. Não há qualquer ruído em seus passos, leve e elegante bailarina. Ainda assim, parece pisar firme e confiante com seus olhos fechados e ouvidos atentos. Ouviria facilmente minha respiração, se eu não estivesse estático, espectador hipnotizado cheio de temor e desejo. Dominado pelo seu encanto, percebo-me tímido e incapaz de me reconhecer desperto. Ignoro meus pensamentos e dúvidas, resta-me a concentração para não piscar os olhos e correr o risco de perder décimos de segundo. Num momento está diante de mim, olhando pra mim, sorrindo pra mim. Noutro, balança suavemente os quadris, virando-se para outra direção, ela e eu nos esquecendo de minha existência. Apenas ela é. E será até que a música acabe.