quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Me and the Devil

Ela veio e ficou. Não a expulsei, com medo de aumentá-la. E a aumentaria, certamente. Aconteceu outras vezes, sei bem que é pior fechar-lhe a porta. Mas era ao mesmo tempo desejada: em outros momentos sua estadia ajudou-me a expor o que não sabia estar guardado dentro de mim. Assim eu lhe servia o alimento. E durante algum tempo essa simbiose funcionou perfeitamente, ignorando sentimentos que não fossem egoístas e aperfeiçoando a si. Poderia ter sido tal qual um moto contínuo caso meu caminho não estivesse minado de surpresas. E foi numa súbita mudança de direção que se desprendeu de mim rápida, porém suavemente, em busca de outro hospedeiro.

Cumprimentou-me tímida e hesitante, como sempre. A cada visita parece temer que eu não a reconheça, não percebe que eu sinto sua presença à distância. A memória falha às vezes, mas velhas e duradouras relações não são esquecidas facilmente. Dei-lhe um longo abraço, menos para confortá-la, mais para que me tomasse de uma vez, possuísse minha mente e meu corpo da maneira mais direta possível. Sou um condenado à morte que estica o pescoço para facilitar o corte da guilhotina. Nada de fútil resistência, nada de jogo de gato e rato. Conhecemo-nos bem demais para isso.

Permaneceu doce e gentil enquanto dilacerava minha carne regenerada. Uma violenta amante consciente de meus medos, defeitos e necessidades, e que oferece amor incondicional com a mesma espontaneidade com que tenta arrancar meu coração à força. Invariavelmente, com minha eterna permissão. Feito uma “dor criada para curar a dor”. Como “um blues que não se acaba dentro do meu pensamento”.

Um Corpo Que Cai

Todos eles pegavam as garotas. Ou diziam que pegavam. Contavam ótimas histórias, algumas delas inacreditáveis. Nos meus catorze, quinze anos de idade, qualquer história envolvendo garotas e mais que meros beijos já soava inacreditável. A época era outra, a turma era bem mais tímida e nem tinha sido inventado o termo “ficar”. Tudo era mais difícil, inclusive namorar sem a presença dos pais da moça. Sexo, então, era praticamente impossível. Tabu que impedia conversas mais detalhadas com amigos e com a família. Contavam alguma coisa sobre as aventuras, fingindo serem os fodões. Eu fingia que acreditava. Não me restava outra coisa, de qualquer maneira.

Porque eu queria algo mais. Porque sexo com quem a gente gosta deveria ser a melhor coisa do mundo. Transar por transar não seria ruim, claro, mas se houvesse envolvimento sentimental, ah, certamente o prazer tomaria outras proporções. Era o que eu achava, mais uma utopia romântica de minha coleção. Mas preferia não comentar abertamente sobre esse ponto de vista, uma vez que no colégio os caras seguem a cartilha padrão de zoação em coro uníssono. Não por medo ou constrangimento, mas sabia que aquele tipo de mentalidade padrão não compreenderia que um cara pudesse ter idéias geralmente atribuídas ao sexo feminino. “É viadinho, certeza”. Melhor deixar pra lá.

Tudo em minha vida aconteceu mais tarde. Tudo. Posso dizer que aproveitei o máximo a infância e a ingenuidade prolongou-se além do tempo normal. Talvez isso tenha feito eu me sentir deslocado nas conversas com os colegas. Enquanto todos falavam de carros e possibilidades de pegar as garotas, eu continuava com os amores platônicos, sonhando com um relacionamento cinematográfico, dando mais valor à amizade e sem entender bulhufas sobre automóveis (na verdade, não entendo até hoje). Minha timidez também contribuiu para as coisas demorarem bastante a acontecer.

Acredito que a maioria das pessoas não entenderia. Mas não foi no meu primeiro relacionamento sério, que acreditava poder durar para sempre – e esse sempre, na realidade, foi muito pouco – que cheguei às vias de fato. Houve as primeiras descobertas e sensações, também houve oportunidade e certamente não faltou vontade. Entretanto, um desejo era compelido por outro: ela queria antes de tudo casar, para, aí sim, formar família e tudo mais. Nada fora do normal para uma mulher há quinze anos, criada dessa maneira. Não teria problema, afinal, seria pra sempre, certo?

Depois do desabamento, o que sobrou foi incerteza, decepção mais um punhado de sentimentos negativos. Já não fazia mais sentido acreditar na fantasia e, aos poucos, mudei da água para a aguardente. Literalmente, inclusive.

Quando me dei por conta, sem planejar nada, estava resolvendo a “pendência” a la Raimundos: em casa de tolerância, cheio de bebida barata na cabeça e sem lembrar depois se foi realmente bom ou não.

Loucura, né?