quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Me and the Devil

Ela veio e ficou. Não a expulsei, com medo de aumentá-la. E a aumentaria, certamente. Aconteceu outras vezes, sei bem que é pior fechar-lhe a porta. Mas era ao mesmo tempo desejada: em outros momentos sua estadia ajudou-me a expor o que não sabia estar guardado dentro de mim. Assim eu lhe servia o alimento. E durante algum tempo essa simbiose funcionou perfeitamente, ignorando sentimentos que não fossem egoístas e aperfeiçoando a si. Poderia ter sido tal qual um moto contínuo caso meu caminho não estivesse minado de surpresas. E foi numa súbita mudança de direção que se desprendeu de mim rápida, porém suavemente, em busca de outro hospedeiro.

Cumprimentou-me tímida e hesitante, como sempre. A cada visita parece temer que eu não a reconheça, não percebe que eu sinto sua presença à distância. A memória falha às vezes, mas velhas e duradouras relações não são esquecidas facilmente. Dei-lhe um longo abraço, menos para confortá-la, mais para que me tomasse de uma vez, possuísse minha mente e meu corpo da maneira mais direta possível. Sou um condenado à morte que estica o pescoço para facilitar o corte da guilhotina. Nada de fútil resistência, nada de jogo de gato e rato. Conhecemo-nos bem demais para isso.

Permaneceu doce e gentil enquanto dilacerava minha carne regenerada. Uma violenta amante consciente de meus medos, defeitos e necessidades, e que oferece amor incondicional com a mesma espontaneidade com que tenta arrancar meu coração à força. Invariavelmente, com minha eterna permissão. Feito uma “dor criada para curar a dor”. Como “um blues que não se acaba dentro do meu pensamento”.

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