segunda-feira, 18 de junho de 2012

Vir A Mim

Criar o monstro. Esculpir seus olhos, dentes, garras, chifres, corpo. Detalhar a textura da pele, escolher pacientemente as tonalidades da paleta, definir suas deformidades físicas e atribuir-lhe a voz gutural. Estudar o melhor disfarce.

Olhar para dentro dele e imbuir-lhe personalidade crível e independente. Presenteá-lo com um passado, preenchendo cada compartimento de memória. Roubar-lhe a inocência, mostrando a ele todo o mal. Justificar suas ações e aceitar suas reações.

Alimentá-lo, fornecer-lhe abrigo, treiná-lo. Torná-lo dependente de teus cuidados. Falar com ele e tornar-se tão dependente quanto. Amá-lo e escondê-lo do mundo e de teu egoísmo. Temer suas aparições aleatórias. Esquecê-lo.

Assustar-se ao vê-lo novamente. Desistir de conter o calafrio e o desespero. Tentar fugir dele até reconhecer-se inútil, patético e grotesco. Finalmente dar-lhe o primeiro abraço, para a estranheza de ambos. Recomeçar.

domingo, 10 de junho de 2012

O Álcool, o Cigarro, as Mãos e o Fogo

Era o que havia: os raros minutos, as pequenas descobertas, os sonhos. A fixação em selecionar trilhas sonoras, as palavras reais dedicadas aos fantasmas, o desequilíbrio no universo, a sensação térmica rindo da previsão do tempo. E a rocha invencível e impiedosa, testando todos os meus limites.

À mesa, memórias servidas quentes para evitar distorções. A similaridade está em tudo, do ruído abafado das conversas ao frio que corta minha pele. Música, rostos conhecidos, minhas roupas e meu gradual desenvolvimento etílico. A mente detalha cada momento, cada espaço percorrido em sua companhia, mesmo tanto tempo depois.

Das voltas do mundo não me dou conta. Ainda estou onde e quando ele deixou de existir por um breve período. Desejo a chuva incessante para me fazer acordado, o vento forte inutilizando qualquer proteção. Mas apenas o deserto silencioso e constante é a mim concedido. A sede segue.