sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Deixe-a Entrar

Ele esperou. Ano após ano ele esperou. Paciência sempre foi sua virtude mais aparente, e fez uso dela com o objetivo de conhecer mais as pessoas.

Foi assim desde o começo. Apaixonava-se de tempos em tempos, embora não se declarasse a ninguém. Num lugar e numa época em que as garotas geralmente eram frias e caladas apaixonava-se quando encontrava uma com quem podia conversar ou que, ao menos, fosse “gente boa”. Algumas vezes idealizava a menina de seus sonhos em alguém que conhecia apenas superficialmente para, logo depois, decepcionar-se totalmente. E o ciclo se repetia alimentado pela fantasia de encontrar a pessoa certa.
Modo de dizer. “Certa” não significava “certinha” ou perfeita nos mínimos detalhes. Certa seria a garota com quem tivesse alguma afinidade, que gostasse de falar de coisas sérias e tolas com a mesma intensidade, que tivesse personalidade e bom caráter. A aparência física nunca importou muito, mas como não encontrava ninguém, esperou.

Dedicou-se às poucas amizades que tinha para tentar amenizar os efeitos de sua insatisfação com o lugar e as demais pessoas – elas não eram bem vindas e já haviam sugado sua energia por tempo demais. Então surgiu a música e ele pôde falar sobre suas dores e seus amores imaginários através de suas composições instrumentais ao violão. A melodia era sua palavra, a trilha sonora do que acontecia em sua vida. De outra maneira, era mudo quanto às questões do amor, relacionamento e afins, e fugia do assunto como o vampiro da estaca. O que poderia dizer a respeito? Restava-lhe continuar esperando e foi isso que fez, até não dar mais importância e se conformar.

Exatamente por isso, a surpresa foi grande. Realmente não acreditava no que acontecera naquele momento em sua vida. Dez, onze anos (talvez mais) esmurrando ponta de faca para, então, encontrar a tal pessoa certa. Foi tão forte e intenso para ele que o fez repensar tudo, suas convicções, suas certezas, sua vida. Via-se sonhando novamente os sonhos antigos, de começar uma família, ter filhos e ser o melhor pai do mundo. Até a forma como aconteceu foi tão acidental, tal qual roteiro cinematográfico, que só poderia ter final feliz, e ele realmente acreditava nisso. Estava doente, sem saber. E também exatamente por isso foi grande a surpresa ao receber a notícia do fim do relacionamento. Três anos e algo mais de uma felicidade cega, falsa e solitária, percebida dessa maneira somente muito tempo depois.

Um juramento inútil de nunca mais sofrer tanto e, ao lado de novos amigos, muitos botequins mais tarde, já não se iludia mais, não esperava mais nada. Não estava trancado, mas procurava não se abrir demais. “Se acontecer, que bom, caso contrário, sem problemas” – esse era o novo lema, resgatando sua tradicional paciência. Mais uma vez, por inesperado acidente, encontrou uma nova mulher, com quem possuía maior afinidade e começou um novo capítulo de sua mal contada história, dessa vez com um “engajamento” maior, pois dividiu com ela uma casa e fez planos mais concretos em relação ao futuro. Em seu coração havia paz e estava realmente feliz. Achava que as brigas, as diferenças e personalidades opostas eram inerentes a qualquer relação. Entretanto, como um filme B de terror com final previsível e que insistimos em assistir até o fim, essa felicidade foi, uma vez mais, cruel por tê-lo cegado. Mas desta vez houve algo estranho, o casal se gostava, só não conseguia viver junto. Terminaram e recomeçaram tantas vezes que mesmo nele a paciência estava chegando ao fim. Começaram como amigos, depois namorados, casaram, namoraram em casas separadas e, seis anos mais tarde, voltaram a ser apenas amigos, embora distantes. Uma parábola, em todos os sentidos. Depois, ele quebrou o próprio juramento, tomou para si um breve período para chorar e voltou à rotina. O bar e os amigos, sempre eles, facilitaram o processo.

Desse tempo até o presente, fez novas amizades, reforçou as antigas, experimentou novos ares e reconheceu que poderia ser feliz sozinho. Teve uma ou outra ilusão, mas percebeu logo que não passavam de bobagens, talvez “flashback” do ácido do amor platônico adolescente. Focou sua vida em outras coisas, visando mais o lado profissional, que estava passando por uma mudança radical. Até algumas semanas atrás, esteve no conforto de sua estabilidade emocional e sequer pensava na possibilidade de alterar essa realidade.

E foi assim, pensando no trabalho, em serviços a fazer, prazos, na cerveja no fim do dia e nas próximas festas com os amigos, que se distraiu e não viu o carro vindo em sua direção em alta velocidade. Deixando de lado a metáfora repetitiva, porém verdadeira, sentiu algo que há muito tempo não sentia, uma profusão de sentimentos (nem todos isentos de preocupação, é verdade) e uma vontade quase infantil de querer que dê certo, apesar da dificuldade gigantesca. Começou sem perceber, como essas histórias geralmente começam, com recados e conversas que refletiam uma imensa afinidade. E o bom papo tornou-se constante e motivo de quase dependência. É pouco tempo, é verdade. Mas, talvez por ter passado tanto tempo pensando sobre o que queria encontrar, reconheceria imediatamente quando encontrasse. E ele não tem dúvidas, ao menos, não quanto a isso. Só que nada é fácil, ele sabe disso, e sua consciência entra em conflito. Ele já não sabe o que é certo ou errado. E também não depende apenas dele, assim, nada de fato ainda aconteceu. Ele ama uma possibilidade. Uma linda e adorável possibilidade. E, ironicamente, tudo o que ele pode fazer agora é esperar.

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