segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Uma dor que vale a pena

Ele andava por aí feito um bêbado que não sabe o caminho de casa. Consciente, porém absolutamente perdido e com a visão levemente turva, seus sentidos pareciam funcionar no piloto automático, em modo de economia de energia. Fazia algum tempo que estava assim, indiferente a tudo, sem desgostar, mas também sem demonstrar ânimo. Tudo estava confortavelmente estático e não parecia que a situação pudesse mudar. Talvez ele nem desejasse alguma mudança, poderia ficar assim até o final, e nem mesmo se preocupava em saber quando o final chegaria. Caminhou em passos tranquilos e velocidade constante, sem pressa alguma, até chegar a uma longa avenida que parecia infinita no horizonte. Parou por um breve momento e decidiu seguir adiante, pois não gostava de voltar atrás. O céu escurecia lentamente e, caminhando na contramão pela calçada, ele observava os carros em alta velocidade com faróis que quase o cegavam, todos seguindo o mesmo ritmo acelerado. Percebeu que um dos carros vinha mudando de faixa à medida que se aproximava, como se estivesse indeciso por onde seguir. Parecia querer sair daquele trânsito infernal, ainda que os outros veículos o ignorassem completamente. O carro estava agora na faixa próxima à calçada e estava muito perto. Por um instante ele pensou que o motorista voltaria à faixa ao lado, onde havia uma brecha. Mas estava enganado e, paralisado de súbito terror, viu o carro invadir a calçada, em sua direção, sem que desse tempo de desviar. É disso que se lembrou ao acordar minutos depois ao chão, sozinho. Nenhum sinal do veículo e o movimento na avenida não tinha se alterado. Sem entender, tentou se levantar, e foi aí que sentiu uma dor lancinante que não sabia ao certo de onde vinha. Ficou um tempo imóvel procurando se recuperar e, após um bom tempo, desistiu de esperar por ajuda. Com muito esforço e segurando o grito de dor conseguiu se levantar apoiando-se nas próprias pernas. E voltou a caminhar, dessa vez no sentido contrário, de costas para os veículos, arriscando ainda mais sua vida em passos inconstantes conforme a dor permitia. Queria saber se não estava louco, achar novamente o carro que o atropelou e seu condutor. Não para se vingar, mas para agradecer. Finalmente havia encontrado uma direção a seguir.

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