Ouço-te na música inocente do velho rádio. Estás a cantarolar sem saber, resumindo a letra da canção num “lá-lá-lá” de desafinado charme. Assovias o refrão enquanto ajeitas os bibelôs sobre o criado-mudo, sempre a mudar suas posições, quase a cada final de dia. Felicidade boba e verdadeira, como as que importam. És consciente disso. Sorris.
Da cama preguiçosa, fito-te próxima aos pequenos quadros de Elvgren na parede e posso fantasiar a inveja das musas ilustradas em pinceladas curvas. Desdenham de ti. Odeiam-te. Pois tu transformas suas belas formas e cores em rascunhos de grafite. Posas sempre, porque natural.
Soltas os cabelos louros lentamente e olhas diretamente para mim com teu olhar de fogo. Percebes minha crescente ansiedade a cada passo teu em minha direção e, ao me concederes o beijo que poderia ser o último, subtrais minha vida. E a suscitas de volta em meu corpo, logo em seguida, da mesma maneira. Tua é a noite. Meu é o privilégio.
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