segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Ampulheta


Perdeu-se na tentativa de contabilizar as loucuras inofensivas que acumulou recentemente e também não sabe quantas vezes tentou fazer essa contagem. Conhecia apenas as primeiras conseqüências de suas atitudes: o isolamento, a claustrofobia de seu novo mundo e a sensação de voltar no tempo sem precisar fechar os olhos.

Reencenou em sua imaginação os atos protagonizados por alguns de seus personagens preferidos: Jon Osterman na superfície de Marte, contemplativo; Desmond Hume a bordo de um navio, desesperado por sua constante; Joel Barish dentro de si mesmo, agarrando com as unhas suas lembranças.

Foi instantâneo. Bastou visualizar a foto e à sua frente não estava mais o computador, a mesa ou as paredes brancas do quarto. Fora transportado de uma só vez para outros lugares conhecidos, como se pudesse estar em todos eles ao mesmo tempo. Um sofá em meio ao barulho, corredores e calçadas, incontáveis mesas de bar, carros, elevadores, outro computador, outra mesa, “outra cerveja, por favor”. Imensa diversidade de lugares e companhias. Em comum, a alegria indescritível suavizada pela necessária máscara de teatro.

A mulher da foto continuou a encará-lo. Apesar de estática, parecia alternar entre o sorriso tímido e o olhar de quem já sabe de tudo. Mas a ilusão se desfez ao lembrar-se de que não estava lá, onde e quando a foto foi tirada. Um breve sentimento de culpa pela inveja infantil de querer estar no lugar da lente e então a percebeu presente. De fato, ela nunca saíra de seus pensamentos, como um adeus nunca respondido.

Ao final da madrugada, Roy Orbison o deixou indeciso: faltou tempo para escolher entre “In The Real World” e “In Dreams”. Conheceu, assim, a origem da areia em seus olhos ao acordar.

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