Não é surpresa para ele saber que o silêncio forçado não
funcionou. As tentativas de distração mostraram-se ineficientes e o jardim
satânico floresceu mais vigoroso. No entanto, ele está surpreso por não se
sentir frustrado, mas orgulhoso.
A vontade de dizer a ela mais que palavras muitas vezes é
substituída por gracejos improvisados apenas para vê-la sorrir. Porque o tempo
é escasso e o espaço, imenso. Natural é aproveitar os raros momentos juntos para
zombar do sagrado, alimentar a criatividade, celebrar trocadilhos infames e
fingir que poderia ignorar para sempre o que lhes é estabelecido.
Teme ter se transformado em um disco de vinil riscado na
última faixa do lado b, prolongando ao máximo o fim da canção. Os ouvidos não
lhe são concedidos e não pode adivinhar se um dia ela saberá que foi
presenteada com novas melodias. É estranho sentir os dedos calejados e a mão
dolorida ao acordar diariamente o violão.
Não se vê solitário, mas percebe-se incompleto. Falta a ele
a personificação do que mais lhe ocupa o pensamento e que representa, ao mesmo
tempo, desafio e inspiração. Falta um copo à mesa, um cheiro de cigarro que não
incomoda, uma opinião contrária, uma conversa que não se acaba. Falta o
conhecido olhar embriagado, a voz doce, o elogio inesperado e aquela sensação
de que o improvável poderia virar realidade.
E permanece a saudade de ser odiado.
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